FÁTIMA E A SUA ESPECIFICIDADE
O quotidiano de Fátima é similar ao de outras cidades, a única diferença é a sua especificidade
É bom que, de vez em quando, possamos sentir uma brisa suave a bater-nos no rosto. O problema é quando a brisa se transforma em vento forte, então, podemos ser abanados. Vamos fazer um teste, no final do texto, digam-me se sentiram a brisa ou foram abanados.
Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada......
Ao elaborar este texto, o meu primeiro pensamento vai para aquela canção do saudoso Zeca Afonso, que foi mote daqueles que se opunham ao antigo regime de Salazar. Independentemente de concordar ou não com os seus ideais políticos, confesso que sempre admirei a sua coragem e espírito de luta. A minha homenagem para ele e para todos aqueles que fizeram da sua vida uma contenda permanente pelo ideal da democracia.
Em segundo lugar, recordo 1975 - o ano em que plantei esta árvore. Ano histórico para mim e certamente para milhões de portugueses que ansiavam pela democracia para todos e não apenas para alguns.
Ter uma cerejeira numa rua principal de Fátima, é singular pela positiva e pela negativa. Mesmo assim, sinto-me privilegiado. Desde que a plantei, fui tratando dela o melhor que sabia. Ao longo dos anos reguei-a, podei-a e dediquei-lhe todos os cuidados necessários. E podem crer que dá muito trabalho, especialmente em duas estacões do ano: quando as cerejas começam a amadurar, os pássaros aliviam-se, deixando o chão sujo de excrementos e se o meu carro estiver à sombra da árvore, já sei que também tenho que o limpar - e as cerejas bicadas, assim como os caroços que depois caem no solo. No outono, com a queda da folha, quantas vezes eu tenho que as apanhar, nem conto...
Mas devo dizer-vos que também tenho compensações. Na primavera vejo-a florir e depois a ser polenizada pelas abelhas. A flor dá lugar ao aparecimento das minúsculas cerejas que vão crescendo em simultâneo com a folhagem que entretanto também rebenta até colorir, a caminho do amadurecimento. Quando começam a amadurar, então tenho visitas, muitas visitas. São pássaros, vindos não sei de onde, que procuram o saboroso fruto. Ainda elas estão a pintar, já os benditos visitantes andam a debicar. Não há tempo a perder, nem sequer as deixam amadurecer. Melros e pardais, são os principais frequentadores. Os melros são os mais ousados, pois comem na árvore e levam uma no bico para o caminho ou para os filhotes que têm no ninho. Enquanto há frutos, é festa todos os dias para eles. Sinto prazer em ouvi-los, até me fazem esquecer que são intrometidos. Comem as cerejas, mas agradecem emitindo a sua única expressão conhecida: o canto. É de facto um prazer ouvir os melros - e até rouxinóis - a cantar, são melodias de encantar.
Por falar em canto e voltando ao tema do saudoso Zeca Afonso: eles comem tudo e não deixam nada, a letra tinha sentido político, referia-se a outros melros: os poderosos de então, políticos e quejandos. Hoje, este tema está mais actual ainda, tendo em conta a corrupção que campeia em quase todos os sectores, principalmente no económico, político e desportivo deste país. Nos melros, eu noto uma característica: comem muitas cerejas, contudo, nunca as comeram todas, sobejaram sempre algumas. Quanto aos outros melros nós não conseguimos sequer ver quando as comem, mas que as papam, isso é certo. Até quando vamos permitir que os melros deste País continuem a comer tudo e não deixar nada? Tem a palavra os leitores.
Este texto é dedicado a todos aqueles que se sentem injustiçados e pisados pelos mais poderosos. Que nunca vos falte a coragem de lutar por uma vida melhor. A vida só tem valor quando abraçamos causas e somos capazes de dar a cara por elas. Só assim os conseguimos vencer.